(O menino entra em cena e enlaça o braço de um homem mais velho que está sentado. O homem aproveita a ajuda pra levantar. Caminham lentamente pelo palco vazio como se tudo ali em mínimos detalhes formatasse um zoológico.)
- Com todo respeito senhor, mas tem uma coisa que está me incomodando muito e eu preciso dizer.
- Precisa mesmo dizer? - pergunta preguiçosamente.
- É que não entendo essa sua idéia de querer vir ao zoológico.
- (se irrita) Se era esse o incômodo devia ter enfiado o punho na boca ao invés de falar.
- Senhor, não se irrite por favor. É que eu fico curioso, é que o senhor é...bom...
- ...diz menino! Às vezes soa muito bem, você vai ver!
- É que o senhor é cego.
- A vantagem de ser cego é não ser obrigado a ver determinadas coisas como, por exemplo, essa sua cara despelada e morna.
(O menino se sente humilhado, mas a curiosidade segue o impulsionando)
- Não precisa ser assim tão duro, só queria entender por que...
- Shhhhhhh! Escuta. Sabe que som é esse rasgando o ar? Que vem dali? (o dedo aponta sem que a cabeça se mova)
- Não consigo ver que bicho é, o som tá vindo longe.
- Você não consegue ver porque é surdo! Esse som, menino, é o bramar do Urso. E essas orelhas (estica a mão e esfrega as do menino muito irritado) só servem pra ficar penduradas, porque o mundo todo é viciado em enxergar.
- Tá, você tem razão. Mas mesmo assim...
- Cala a boca e me leva pra andar.
- Com todo respeito senhor, mas tem uma coisa que está me incomodando muito e eu preciso dizer.
- Precisa mesmo dizer? - pergunta preguiçosamente.
- É que não entendo essa sua idéia de querer vir ao zoológico.
- (se irrita) Se era esse o incômodo devia ter enfiado o punho na boca ao invés de falar.
- Senhor, não se irrite por favor. É que eu fico curioso, é que o senhor é...bom...
- ...diz menino! Às vezes soa muito bem, você vai ver!
- É que o senhor é cego.
- A vantagem de ser cego é não ser obrigado a ver determinadas coisas como, por exemplo, essa sua cara despelada e morna.
(O menino se sente humilhado, mas a curiosidade segue o impulsionando)
- Não precisa ser assim tão duro, só queria entender por que...
- Shhhhhhh! Escuta. Sabe que som é esse rasgando o ar? Que vem dali? (o dedo aponta sem que a cabeça se mova)
- Não consigo ver que bicho é, o som tá vindo longe.
- Você não consegue ver porque é surdo! Esse som, menino, é o bramar do Urso. E essas orelhas (estica a mão e esfrega as do menino muito irritado) só servem pra ficar penduradas, porque o mundo todo é viciado em enxergar.
- Tá, você tem razão. Mas mesmo assim...
- Cala a boca e me leva pra andar.
(caminham lentamente contornando o palco vazio)
- Eu sei que esse guinchar misturado com grunhido é um javali e não um porco. O javali é como eu: amargo e ríspido. E o porco é como você: dócil ao ponto da estupidez.
(menino acha graça na sinceridade)
- O senhor diz mesmo o que pensa.
- Eu não tenho medo do mundo porque eu vejo mesmo nada. (ensaia um riso sarcástico e amarga com ele)
- E isso aqui o que é?
- Não conhece nem olhando. Vê mais não enxerga. Pra você é que o zoológico é inútil. Isso é um gavião guinchando pra gente. À nossa volta os pássaros reclamam de diferentes maneiras. Os gansos estão grasnando bem pra lá que o som é muito fácil de ouvir. Os patos e os marrecos devem estar por lá também. Alguns pássaros piam livres acima da gente, outros estão presos chireando. Os homens também piam e sibilam. Alguns pássaros gorjeiam outros trinam, depende muito do som. Os corvos crocitam, e só eles crocitam. (usa apenas um braço pra se expressar, forte e preciso)
- Mas você não queria mesmo poder vê-los?
- Escuta o que eu digo e engole essas perguntas de uma só vez. Eu já disse que a vantagem de ser cego é não ser obrigado a ver determinadas coisas. Pra quem vê, o zoológico é repleto de gaiolas. No mundo de quem ouve estamos todos juntos. Os pombos da cidade e os gaviões engaiolados. Daí você deve entender. Eu venho pra cá pra ouvir os homens e os bichos misturados, como se fosse antigamente.
No próximo post, Yuri escreverá um monólogo inflamado de um banqueiro defendendo a responsabilidade social em uma curta palestra para seus funcionários.(cerca de 8 minutos encenados)
ResponderExcluirGostei...ta ficando mais teatral nico... Posso fazer uma sugestão? Sei que vcs estão na fase de liberdade criativa deixando surgir vários temas e etc... mas podiam só experimentar fazer uma sequência de assuntos que se complementam, tipo escolher um tema e os dois escreverem uns dois textos cada sobre esse tema, pra prolongar a história e pra mostrar a mesma coisa de formas diferentes, o que eu acho interessante, principalmente pra teatro. O que vcs acham?
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