quarta-feira, 25 de março de 2009

o mês gay

Parte 1 - A coisa em si




(sujeitos: Igor e 2)








- Ó negócio é o seguinte. Você não se mexe. Você não me encosta. Eu vou beijar você sem que você se mexa. É que, se eu achar nojento, pode ser que eu fique enjoado.





- Tá bom.





(beija o lábio superior, segue para o inferior, coloca a lingua devagar dentro da boca do outro. A coisa dura cerca de 15 segundos, depois recua.)





- Não é ruim. É meio estranho. Você tem cheiro de homem, não dá pra fugir. E quando eu fechei os olhos parecia que eu tava beijando meu pai. Foi meio escroto.





- Você pagou pela hora, você vai querer me comer?





- Ainda não sei. Se eu te comer, eu quero que você fique em silêncio. Não quero ter a sensação de que você é testemunha do que eu to fazendo. Quero que você fique que nem um morto ou como se tivesse dormindo pesado.





- Olha cara, não dá pra fingir que eu to dormindo com um pau enfiado no rabo. Eu posso tentar ficar quieto, mas vai ser foda.





- Tenta. Pra isso fazer sentido, eu preciso ter consciência de que você é um homem, mas eu não sei se eu vou aguentar ouvir você gemendo com voz grave e tal. Tenho que ir com calma. Vamo tentar, de costas é melhor.





(o sujeito vira de costas, recebe o pau e geme grave pra dentro, tentando engolir a voz.)








Parte 2 - A Notícia





(sujeitos: Igor e 3)





- Um mês gay.





- Quê?





- É isso, vou ser gay por um mês.





- Não dá pra ser gay por uma mês.





- Dá pra tentar.





- Tentar? Tentar ser gay? Quando eu era pequeno eu queria ser judeu, nem por isso eu fiquei tentando.





- Talvez devesse, sei lá, ter casado com uma judia.





- Aí é que tá, eu não acredito nessas coisas. Pra mim ou se é ou se não é. Tentar é esforço inútil, auto-engano...





- É que eu nunca fiquei com homem, não sei se eu gosto.





- Igor, homem não é um um prato indiano que você ainda não comeu. Desde cedo é assim, ou você olha pros peitinhos das meninas ou pros pintinhos dos meninos. Não inventa, pára de me assustar.





- Um mês gay. Só um. Você nunca vai mais me ouvir falar nisso.





- Cara por que isso?





- Por exemplo, eu já tive vontade de beijar você quando a gente tava no colégio ainda, mas é sempre um vulto de idéia, o custume é negar e pronto. Eu quero ver se eu sirvo pra coisa, entende?





- Se serve pra ser bicha?





- É... (ri inquieto)





- Bom cara, já digo desde já, a mim você não come.






Parte 3 - Do cu como sujeito autônomo.


(sujeitos: Igor e 3)



- Tá feito.


- Eu confesso que duvidei no começo, mas daí comecei a ouvir dos outros sobre você.


- Que disseram?


- Que você tinha aboiolado. Primeiro foi a Ju que me contou, mas eu não levei tanto em consideração porque ex-namorada às vezes pode ficar bastante destrutiva, você deve saber. Mas daí veio o Tico, camarada pra cacete, dizer que te viu de bichisse na formatura da irmã dele. Daí eu vi que o negócio era o que era.


- É. (pausa)Foram 30 dias e 8 homens. Paguei pra comer os dois primeiros. Depois vi que era mais em conta conseguir de graça. Pra dizer a verdade, depois da primeira semana ficou mais fácil com os homens do que com as mulheres. Percebi que algumas coisas no mundo simplesmente não querem mudar. Ser bicha ainda é algo muito mais íntimo do que social. Todos os lugares aonde eu fui, as baladas todas: parece que todo mundo divide um segredo em comum. O mundo gay ainda é uma espécie de segredo socializado. Eu disse isso para um dos carinhas com quem eu fiquei. Acho que foi na segunda semana. Ele era bem mocinha e ficou bem puto comigo. Disse que pra ele não era segredo, que ele fez questão de deixar claro pra família e pros amigos como ele era. Eu não disse nada porque eu morro de medo de xilique muito mais do que de porrada. Mas o que ele não vê é que antes dele mostrar que era gay isso era um segredo. E isso não foi definido por ele, mas pelas outras pessoas. Muita gente ainda vê as bibas como guardadoras de um grande segredo. Portanto, não importa se você nunca esteve dentro do armário... alguém logo arranja um jeito de meter um armário na sua história. Na maioria das vezes as pessoas não querem ver o que está na cara, daí metem a pobre da bichinha dentro do armário pra dizer que era ela que escondia. Daí é que eu digo que ser gay é algo muito íntimo, enquanto que o armário é mais uma das infinitas crueldades do mundo. Não importa o quão veadinho você seja, para o mundo você só é quando diz que é. Quando confessa. E é por isso que mesmo a mais livre das bibas, que nunca se escondeu, já nasce condenada a arrastar o armário que inventaram pra ela.

- Pode até ser Igor, mas no seu caso é estranho, eu nunca ia imaginar, você saiu do armário sim, não vejo de outro jeito.

- Não exatamente. O que eu fiz, na verdade, foi negar o armário. Por um mês ele deixou de existir. Não havia nada fora do armário que não estivesse dentro, nem nada dentro que não estivesse fora. Só havia uma idéia: ser gay por um mês. E como eu nunca tinha sido gay nem pros outros e nem pra mim intimamente, nunca houve segredo algum. Sem segredo, sem armário. No último mês eu fui a única bicha em São Paulo sem um armário. Eu experimentei de antemão o que eu mesmo espero do futuro e o que todas as bibas sempre quiseram, entende?

- Tá. É bonito pra cacete, mas eu não me importo com nada disso. O que interessa mesmo é saber que gostou.

- (sorri saudoso) ... eu gostei mesmo é do cu se você quer mesmo saber. Eu sei que é estranho, mas eu nunca tinha comido um rabo antes. Nenhuma mulher quis me dar o toba. Eu gostei foi do cu pra valer. E agora eu só quero comer cu e isso me aflinge. Acho que não vou mais conseguir namorar como de costume porque nenhuma mulher vai querer que eu coma só por trás. Eu perdi completamente o interesse por xoxota, entrei numa fissura incontrolável por cu. Eu não sei ainda se eu me arrependo do que eu fiz. Se não fosse por esse último mês, eu tava bastante feliz com as bucetinhas todas, mas, ao mesmo tempo, foi nele que eu conheci a maravilha do calor de um rabo. Esse mês indiscriminado tirou de mim o fetiche que eu tinha com os homens e matou toda a graça que eu via nas mulheres. Meu negócio agora é o cu. Todo mundo tem um cu. Por isso ele tem algo de universal. De constante. O cu é anterior ao sexo... é a única coisa eterna do mundo.


domingo, 15 de março de 2009

a casa.

"hoje, o percurso até. antes, o caminho transposto. adiante está o futuro. um pouco mais à frente o esgotamento de todas as coisas. à esquerda a cozinha, pra quando quiser beber. no fim do corredor o banheiro pra quando quiser chorar. esta porta por onde entramos serve também de saída. e, quando voltar, a segunda porta é meu quarto, pra quando quiser se aliviar."




"hoje, o percurso até. antes, o caminho transposto. adiante está o futuro. um pouco mais à frente o esgotamento de todas as coisas. à esquerda a cozinha, pra quando quiser beber. no fim do corredor o banheiro pra quando quiser chorar. esta porta por onde entramos serve também de saída. e, quando voltar, a segunda porta é meu quarto, pra quando tiver desistido."